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Formação Católica

08 março 2016

A PSICOLOGIA DA TENTAÇÃO



A psicologia da tentação


Fonte: Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, tradução da 5ª edição francesa por J. Ferreira Fontes, 2ª edição portuguesa, págs. 570 a 579, Edições do Apostolado da Imprensa, Porto, 1932. Imprimi potest, Candidus Mendes, S. J., 3/9/1932, Imprimatur: Bracarae, 8/9/1932, + Emmanuel, Archiepiscopus Bracarensis.

Descreveremos: 1º a freqüência da tentação; 2º as suas diversas fases; 3º os sinais e os graus de consentimento.

905. 1º Freqüência das tentações. A freqüência e violência das tentações variam em extremo: há almas que são amiudada e violentamente tentadas; outras há que o são apenas raras vezes e sem se sentirem profundamente abaladas. Muitas são as causas que explicam esta diversidade.



a) Em primeiro lugar, o temperamento e o caráter: Há pessoas extremamente apaixonadas e ao mesmo tempo fracas de vontade, freqüentemente acometidas e perturbadas pela tentação; outras, bem equilibradas e enérgicas que não são tentadas senão raramente e conservam a serenidade no meio da tentação.

b) A educação origina outras diferenças: há almas educadas no temor e amor de Deus, no cumprimento habitual do dever austero, que não receberam quase senão bons exemplos; outras pelo contrário, foram educadas no amor do prazer e no horror de qualquer sofrimento, e não viram quase senão exemplos de vida mundana e sensual. É evidente que as segundas serão mais violentamente tentadas que as primeiras.

c) É necessário também ter em conta os desígnios da Providência; há almas que Deus chama a um alto grau de santidade e que preserva de toda a mácula com o mais desvelado carinho; outras que destina também à perfeição, mas que quer fazer passar por árduas provações, a fim de as robustecer na virtude; outras, enfim, que Deus não chama a estado tão elevado e que serão mais freqüentemente tentadas, se bem que nunca acima de suas forças.

906. 2º As três fases da tentação. Conforme a doutrina tradicional, exposta já por Santo Agostinho, há três fases na tentação: a sugestão, a deleitação, e oconsentimento.

a) A sugestão consiste na proposição de algum mal: a imaginação ou o espírito representa-nos, mais ou menos vivamente, os encantos do fruto proibido; às vezes esta representação é sobremaneira sedutora, impõe-se com tenacidade e torna-se uma espécie de obsessão. Por mais perigosa que seja esta sugestão, não é pecado, contanto que se não haja provocado ou nela se não consinta livremente: não há falta, senão quando a vontade lhe dá consentimento.

b) À sugestão junta-se a deleitação: instintivamente se sente inclinada a parte inferior da alma para o mal sugerido, experimentando um certo prazer. “Sucede muitas vezes, diz São Francisco de Sales,[1] que a parte inferior se deleita na tentação sem o consentimento, antes contra a vontade da superior. É esta a guerra que o Apóstolo São Paulo descreve quando diz que a sua carne tem apetites contra o espírito”. Esta deleitação da parte inferior, enquanto a vontade não consente, não é falta; mas é um perigo, porque a vontade se encontra assim solicitada a dar a sua adesão. Propõe-se então a alternativa: vai a vontade consentir, sim ou não?

c) Se a vontade recusa o assentimento, se combate e repele a tentação, fica vitoriosa e faz um ato sobremaneira meritório. Se pelo contrário, se compraz na deleitação, se nela goza voluntariamente, se consente nela, está cometido o pecado interior. Tudo depende, pois, do livre consentimento da vontade; e é por isso que, para maior clareza, vamos indicar os sinais por onde se pode reconhecer se houve consentimento e em que medida o houve.

907. 3º Sinais de consentimento. Para melhor explicarmos este ponto importante, vejamos os sinais de não-consentimento, de consentimento imperfeito e de pleno consentimento.

a) Pode-se assentar que não houve consentimento, se, a despeito da sugestão e do prazer instintivo que a acompanha, a alma sente descontentamento, desgosto de se ver assim tentada, se luta para não sucumbir, se na parte superior sente um vivo horror do mal proposto [2].

b) Pode-se ter culpa na tentação na causa, quando se prevê que esta ou aquela ação, que podemos evitar, nos é fonte de tentações: “Se eu sei, diz São Francisco de Sales [3], que alguma conversação me ocasiona tentação e queda, e a ela me exponho voluntariamente, serei sem dúvida alguma, culpado de todas as tentações que nela me vierem”. Mas, então, não há culpa senão na medida em que houve previsão, e, se esta não passou de vaga e confusa, fica proporcionalmente diminuída a culpabilidade.

908. c) Pode-se considerar que o consentimento é imperfeito:

1) Quando se não repele a tentação tão prontamente como se dá pelo seu caráter perigoso [4]; há nisto uma falta de imprudência que, sem ser grave, expõe ao perigo de consentir na tentação.

2) Quando se hesita um instante: desejar-se-ia provar um pouco do prazer vedado, mas não se quereria ofender a Deus; em suma, após um momento de hesitação, repele-se a tentação; também aqui há pecado venial de imprudência.

3) Se não se rechaça a tentação senão a meias: resiste-se, mas com indolência, incompletamente; ora semi-resistência é semi-consentimento: falta venial.

909. d) O consentimento é pleno e inteiro, quando a vontade, enfraquecida pelas primeiras concessões, se deixa arrastar a saborear voluntariamente o prazer mau, sem embargo dos protestos da consciência que reconhece o mal. Então, se a matéria é grave, é mortal o pecado: pecado de pensamento ou de deleitação morosa, como dizem os teólogos. Se ao pensamento se ajunta o desejo consentido, mais grave ainda é a falta. Enfim, se do desejo se passa à execução, ou ao menos procurar meios para pôr por obra o mau projeto, é pecado de ação.

910. Nos diversos casos que acabamos de expor, há por vezes dúvidas que se elevam acerca do consentimento ou semi-consentimento dado. Deve-se então distinguir entre as consciências delicadas e as consciências relaxadas. No primeiro caso, julga-se que não houve consentimento, porque a pessoa de que se trata tem o hábito de não consentir, ao passo que no segundo se formará juízo inteiramente contrário.

Como proceder na tentação

Para triunfar das tentações e fazê-las servir ao bem espiritual da nossa alma, três coisas principais se devem observar: 1º prevenir a tentação; 2º combatê-lavigorosamente; 3º agradecer a Deus depois da vitória ou levantar-se após a queda.

911. 1º Prevenir a tentação. Conhecemos o provérbio: mais vale prevenir que remediar; é também o que aconselha a sabedoria cristã. Quando Cristo Senhor Nosso conduziu os três Apóstolos ao jardim das Oliveiras, disse-lhes: “Vigiai e orai, para não entrardes em tentação: vigilate et orate ut non intretis in tentationem” [5] ; vigilância e oração eis, pois, os dois grandes meios de prevenir a tentação.


912. A) Vigiar é estar de atalaia em torno da própria alma, para não se deixar colher de sobressalto. E é tão fácil sucumbir num momento de surpresa! Esta vigilância implica duas disposições principais: desconfiança de si mesmo e confiança em Deus.


a) É, pois, necessário evitar a presunção orgulhosa que nos lança para o meio dos perigos, a pretexto de que somos assaz fortes para deles triunfar. Foi o pecado de São Pedro que, no momento em que Jesus predizia a fuga dos apóstolos, exclamava: “Ainda quando sejais para todos uma ocasião de queda, para mim nunca o sereis”.[6]Reflitamos pelo contrário que aquele que se julga estar de pé deve ter cuidado, não vá cair: “Itaque qui se existimat stare, videat ne cadat”;[7] porque, se o espírito está pronto, a carne é fraca, e segurança não se encontra senão na desconfiança humilde da própria fraqueza.

b) Mas devem-se evitar igualmente esses vãos terrores que não fazem senão aumentar o perigo; é bem verdade que somos fracos por nós mesmos, mas invencíveis Naquele que nos conforta: “Deus que é fiel não permitirá que sejais tentados mais do que podem as vossas forças; antes fará que tireis ainda vantagem da mesma tentação, para a poderdes suportar”.[8]

c) Esta justa desconfiança de nós mesmos faz-nos evitar ocasiões perigosas, tal companhia, tal divertimento, etc, em que a nossa experiência nos mostrou que nos vimos expostos a cair. Combate a ociosidade, que é uma das ocasiões mais perigosas, nº 885, bem como essa moleza habitual, que afrouxa as energias da vontade e a prepara a todas as capitulações.[9] Tem horror desses fúteis devaneios que povoam a alma de fantasmas que não tardam a tornar-se perigosos. Numa palavra, pratica a mortificação sob as diferentes formas que assinalamos, nº. 767, 817, e aplica-se aos deveres de estado, à vida interior e ao apostolado. E então, no meio desta vida intensa, resta pouco lugar para tentações.

d) A vigilância deve exercer-se especialmente sobre o ponto fraco da alma, visto ser geralmente desse lado que vem o assalto. Para fortificar esse ponto vulnerável, é lançar mão do exame particular, que por tempo notável concentra a atenção sobre esse defeito, ou melhor ainda sobre a virtude contrária (nº 468).

913. B) À vigilância é preciso ajuntar a oração que, colocando a Deus do nosso lado, nos torna invencíveis. Afinal, Deus acha-Se interessado em nossa vitória, porque é a Ele que o demônio quer atingir em nossa pessoa, é a sua obra que ele quer destruir em nós; podemos invocá-Lo com santa confiança, seguros de que Ele nada mais deseja que socorrer-nos. Contra a tentação é boa toda a oração: vocal ou mental, privada ou pública, sob forma de adoração ou petição. É bom, sobretudo nas horas de paz, orar para o tempo da tentação. No momento em que esta se apresenta, não há mais senão elevar rapidamente o coração a Deus, para resistirmos com mais vigor.


914. 2º Resistir à tentação. Esta resistência será diversa conforme a natureza das tentações. Há umas que são freqüentes, mas pouco graves: para essas a melhor tática é o desprezo, como tão bem explica São Francisco de Sales:[10]

“Quanto a essas pequenas tentações de vaidade, suspeitas, tristeza, ciúme, inveja, afeiçõesitas e outras semelhantes ninharias, que, como moscas e mosquitos, nos andam passando por diante dos olhos, e umas vezes nos picam nas faces, outras no nariz, a melhor resistência que lhes podemos fazer, é não nos afligirmos; porque nada disto nos pode causar dano, ainda que nos pode enfadar, contanto que tenhamos firme resolução de querer servir a Deus. Desprezai, pois, estes pequenos assaltos e não vos ponhais nem sequer a considerar o que querem dizer; deixai-os zunir à roda dos ouvidos, quanto quiserem – como se faz com as moscas”.

Aqui ocupamo-nos sobretudo das tentações graves; é preciso combatê-lasprontamente, energicamente, com constância e humildade.

A) Prontamente, sem discutir com o inimigo, sem hesitação alguma: ao princípio, como a tentação não firmou ainda o pé solidamente em nossa alma, é bastante fácil rechaçá-la; se esperarmos que lance raízes na alma, será muito mais difícil. Por conseguinte, nada de parlamentar com o tentador; associemos a idéia de prazer ilícito a tudo quanto há de mais repugnante, a uma serpente, a um traidor que nos quer apanhar de sobressalto, e lembremo-nos das palavras de nossos Livros Santos: “Foge dos pecados como da vista duma cobra; porque se te aproximares deles, apoderar-se-ão de ti, quasi a facie colubri fuge peccata” [11]. E foge-se, orando e aplicando o espírito a qualquer outro assunto.

915. B) Energicamente, não com moleza e como de má vontade, o que pareceria convidar a tentação a voltar; mas com força e vigor, testemunhando o horror que tal proposição nos causa; “Arreda, satanás; Vade, satana” [12]. É, porém, diversa a tática que se deve empregar segundo o gênero de tentações. Se se trata de prazeres atraentes, é necessário afastar-se e fugir, aplicando fortemente a atenção a um assunto diferente que nos possa absorver o espírito; a resistência direta não faria geralmente senão aumentar o perigo. Se a tentação é repugnância em cumprir o próprio dever, antipatia, ódio, respeito humano, o melhor é muitas vezes afrontar a tentação, considerar francamente a dificuldade, de rosto, e apelar para os princípios da Fé, para dela triunfar.

916. C) Com constância: é que às vezes a tentação, vencida por um instante, volta com novo furor, e o demônio reconduz do deserto sete espíritos piores do que ele. A esta pertinácia do inimigo é mister opor resistência não menos tenaz: quem combate até o fim é que ganha a vitória. Mas então, para haver maior segurança de triunfar, importa dar a conhecer a tentação ao diretor espiritual.

É este o conselho que dão os Santos, em particular Santo Inácio e São Francisco de Sales: “porque notai, diz este último, que a primeira condição que o maligno propõe à alma que quer enganar, é o silêncio, como fazem aqueles que querem seduzir as mulheres e as donzelas, que por entrada proíbem que elas comuniquem as propostas aos pais ou maridos; pelo contrário, Deus, em suas inspirações, requer sobre todas as coisas que as façamos reconhecer pelos nossos superiores e diretores”.[13] Na verdade, parece que anda vinculada uma graça especial a esta manifestação da consciência: tentação descoberta é tentação meio vencida.

917. D) Com humildade: é ela, efetivamente que atrai a graça, e a graça é que nos dá a vitória. O demônio, que pecou por orgulho, foge diante de um ato sincero de humildade, e a tríplice concupiscência, que tira a sua força da soberba, é facilmente vencida, quando, por assim dizer, a decapitamos pela humildade.

918. 3º Após a tentação, é necessário evitar minucioso exame sobre se consentimos ou não: esta imprudência poderia fazer voltar a tentação e criar novo perigo. E depois, é muito fácil ver, pelo testemunho da consciência, sem profundo exame, se ficamos vitoriosos.

A) Se tivemos a felicidade de triunfar, demos graças de todo o coração Àquele que nos deu a vitória: é o dever de gratidão e o melhor meio de obter novas mercês em tempo oportuno. Ai dos ingratos que se atribuíssem a si mesmos a vitória, sem pensarem em dar graças a Deus! Não tardariam em experimentar a sua fraqueza.

919. B) Se, pelo contrário, tivéssemos a infelicidade de sucumbir, não percamos a coragem; lembremo-nos do acolhimento feito ao pródigo, e como ele, vamos lançar-nos aos pés do representante de Deus, com este grito do coração: Pai, pequei contra o Céu e contra Vós; já não sou digno de ser chamado vosso filho.[14] E Deus, mais misericordioso ainda que o pai do pródigo, nos dará o ósculo de paz e restituirá a sua amizade.

Mas, para evitar recaídas, tirará vantagem o pecador arrependido da própria falta para se humilhar profundamente na presença de Deus, reconhecer a sua impotência para praticar o bem, colocar toda a sua confiança em Deus, tornar-se mais circunspecto, evitando cuidadosamente as ocasiões de pecado, e voltar à prática da penitência. Uma falta assim reparada não será obstáculo sério à perfeição [15]. Como nota com razão Santo Agostinho, os que assim se levantam, tornam-se com a queda mais humildes, mais prudentes, mais fervorosos: “ex casu humiliores, cautiores, ferventiores”.[16]

[1] Vie devote, IV e Part., ch. III.

[2] São Francisco de Sales refere (Vie devote, IV e P., ch. IV) que uma vez que Santa Catarina de Sena fora violentamente tentada contra a castidade, Cristo Senhor Nosso lhe perguntara: “Dize-me, estes impuros pensamentos do teu coração davam-te prazer ou tristeza, amargura ou deleitação?” -- Respondeu a Santa: “Suma tristeza e amargura”. E Nosso Senhor consolou-a, acrescentando que essas penas eram um grande mérito e lucro espiritual.

[3] Vie devote, 1. c. ch. VI.

[4] “Somos às vezes sobressaltados por um titilamento de deleitação, antes de podermos sequer dar por ele; isto, quando muito, não pode passar de bem ligeira venialidade, a qual se faz maior, se, depois de termos advertido no mal em que caímos, nos demorarmos por negligência algum tempo, a negociar com a deleitação, se a devemos aceitar ou repelir.” Vie devote, 1. c., ch. VI.

[5] Mt. 26, 41.

[6] Mc. 14, 29.

[7] 1Cor. 10, 12.

[8] 1Cor. 10, 13.

[9] Esta moleza é muito bem descrita por Mgr. Gay, Vie et vertus chrét., tr. VIII, para 525-526: “Dorme e fica por conseguinte exposta aos golpes do inimigo, a alma preguiçosa, a alma mole, covarde, pusilânime, que qualquer sacrifício amedronta, que qualquer trabalho sério prostra, que, rica talvez de desejos, fica pobre de resoluções e mais ainda de obras, que em tudo se poupa, segue quase sempre os seus caprichos e se deixa levar a sabor das correntes”.

[10] Vie devote, IV e P., ch. IX.

[11] Eccli. 21, 2.

[12] Mt. 4, 10.

[13] Vie devote, IV e P., ch. VII.

[14] Lc. 15, 21.

[15] Tissot, L’art d’utiliser ses fautes d’apres S. Francisco de Sales.

[16] De corrept. et gracia, cap. I.

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